crise cultural

nem toda batalha é uma guerra perdida. mas pelo que eu entendi, isso é um vai-e-volta sem dar o braço a torcer. nunca.

eu nunca vi de perto. e eu entendo aqui ver de perto como se vê alguém de verdade -que a metafísica me perdoe-: por dentro. trabalhar quarenta horas na semana e prestar um ano acadêmico integral não me permite muitas idas ao cinema. e ainda que o permitisse.
    -estamos todos sempre sobre ruínas, não é? -ele diz.
(estou mesmo entre a obra e a óptica pôr-do-sol do outro lado da rua, sentada num banco, a ver a tela azul)
sem ver nenhuma ruína, começo a perguntar  freneticamente como uma criança de quatro anos:

    -mas e cadê?
    -foram abaixo!
    -quando é que foi?
    
    -47, mas eu sou mais velho. as tantas aberturas e fechamentos às vezes me fazem confuso  no meio da imagética.
    -e o que é que vem agora?
    -agora são os outros tantos anos dos 25 que foram acordados.
    -e o que é que muda?
    -pode ser que não mude nada.
    -mas eu ouvi dizer que aqui se vai muito ao cinema!
    -quando se têm comida na mesa, água na torneira e calor na casa, vamos todos ao cinema, não é?

aí que eu entendi de qual guerra e quais ruínas é que falávamos.​​​​​​​
[segundo dados do estudo “práticas culturais dos portugueses”, feito pelo instituto de ciências sociais da universidade de lisboa, antes da pandemia, a ida ao cinema foi a atividade cultural preferida dos portugueses. não muda o facto que, também dentro dessa mesma pesquisa, 93% dos inquiridos se enquadravam na categoria de ‘baixo consumo cultural’. 
os motivos? 
falta de tempo
falta de dinheiro
que vêm
da origem e posição social.
quando os pais têm nível de escolaridade superior, quadriplicam as chances de um indivíduo consumir cultura.]