301 circular sá da bandeira- hospital são joão
06:09 (na rua)
uma noite mesmo à porto: eram só dois copos depois do trabalho. mas cá estou, esperando o 301 pra chegar no marquês.
    -tá atrasado esse aí, viu. o 305 para ali próximo, na fernão magalhães, mas ainda demora dez minutos pra chegar.
não é que eu repare muito em iluminação pública, mas essa luminária tinha qualquer coisa de curiosa.
    -acabou de sair o sr. arquiteto da sala 02, passou a madrugada a cortar e colar papéis... -diz ela.
    -...eu olhei pra torre vizinha logo ali na avenida e quando o relógio bateu seis da manhã, num ligo-desligo, dei uma piscadela ao velhote.  vê lá, são 06:10 e já nem sinal do homem, foi-se logo para casa.
    -ficas aí a bisbilhotar as próprias paredes, é? -perguntei na tanga, o 301 já vinha a fazer a curva.
    -já há sessenta e dois anos! prédio não se faz só com desenho, pedreiro e betão, não.
a varanda
06:13 (no quarto andar)
a maioria dos apartamentos aqui já é das famílias há muitos anos, mas este não. este, o senhorio -que vive em gaia- me fez um preço camarada, mas que ainda me custa quase a jornada de trabalho inteira.
há quem diga que os aluguéis vão baixar, mas não é com boatos que se derruba uma crise, e vale lembrar que ser senhorio também não é profissão.
a essa hora não tem sol direto nesse gaveto. mas o estore da direita, que  emperrou pouco antes de fechar por inteiro, deixa a claridade entrar.
a claridade, por sua vez, acorda os gatos, que logo se colocam à frente da porta para saírem à varanda.
    -é um bocado cedo pra se levantar, não? -as luminárias se apagam.
eu concordo, ainda bastante mau humorada com a cena dos estores e com o calor que faz nesse verão tardio.
    -são espertos os teus gatos... fachada norte em plena esquina. assim também eu acordava cedo! -isto é, se estas paredes qualquer dia chegaram a dormir.
afinal, quem é que não quer brisa fresca e sombra amena embaixo desses 29 graus.